domingo, 26 de dezembro de 2010

me irrita

Pare de colocar fotos de crianças famintas nos álbuns de foto de seus perfis em redes sociais; interrompa seu discurso a favor do consumo sustentável; não fale tanto sobre a proteção à natureza; deixe de lado a maravilhosa exposição do seu exemplo humanista. Se for por uma causa digna: saia nas ruas, machuque os pés, suje as mãos.
Salve mais o mundo. Salve menos sua própria imagem de salvador do mundo.
E tinha aquele menininho empinando uma pipa no meio da estrada, as roupas e o rosto meio encardidos, a mistura de cabelo e de suor e o sol, aquele sol imponente do meio-dia, deixando os olhinhos espremidos, só uma fresta e o breu (refletia o céu)... Os pés calejados pelos desníveis da terra batida, pés de José, esses pés não se machucam, esses pés não se cansam: pés de criança (pra criança tudo é nuvem), pés de adulto forçado (tanto andam, tanto ferem... já não sentem, sequer o querem), e o vento conduzindo e a pipa dançando feito louca, um pouco imprevisível, ora frenética, ropiando pelo azul, ora calma, deslizando, deslizando...
E o menino era alheio a tudo, ele só existia para aquele chão vermelho de terra e o som do vento, dentro dele só havia a pipa, colorida, pequena, dançando feito louca e o céu inteiro

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

No meio do lixo tem gente. Lixo e gente. Abandonados. Sujos. Sujando a sujeira de quem suja. Jogados no canto das rua. Despedaçados.  Dentro de sacos pretos, muitíssimo bem amarrados. Mistura ingrata. Ascorosa. Anônima. Sem cara. Sem quem se culpe. Sem ter quem desculpe. Mas quem? Quem precisa de lixo? Quem? Quem precisa de gente? Tem gente no meio do lixo. Tem jeito? Tem, por aí, algum suspeito? Porque, não, a culpa não é minha. Eu não fiz nada! Que horror, me acusar assim. Acho que foi aquele ali. A culpa é dele. A culpa é dela. Daquele ali também. Me desculpe, mas minha que não é. Tem lixo e gente e gente e lixo. E mais lixo. E mais gente. Quanto mais gente, mais lixo. Mais gente no lixo. Mais lixo na gente. Lixo e gente. Tem uma montanha de lixo. Tem dois olhos negros no meio do lixo. Pequenos. Opacos. Só veem o lixo. Dois olhos negros. Fracos.  Não pode falar. A boca coberta por lixo. Não pode sair. O corpo coberto por lixo. Não pode existir. Por dentro, cheio de lixo. Mas os olhos. Desespero. Os olhos berram, no meio do lixo.



Adendo: não pensei na evidente semelhança com Poeminha, do Bandeira, quando escrevi. Infortúnio.

I

O céu estava pálido.
Fiquei a fitá-lo por alguns segundos, com a mente tão branca quanto ele. Vazia. Infinita. Fechei os olhos com força e pequenos flashes coloridos, frenéticos, me hipnotizaram por um instante. Ao abrí-los, voltei a olhar para o céu. Me apoiei na janela. Décimo terceiro andar. Enconstei meu rosto nas grades frias, de ferro; meus olhos presos a algum ponto qualquer da rua: pequenos vultos indo para todos os sentidos, um emaranhar de vozes e outros sons distantes, o barulho abafado dos carros no asfalto. Nuvens. Algumas gotas geladas caíram, repentinas, sobre meu braço. Escorreram pelo parapeito. De encontro com as grades de ferro, faziam uma espécie irritante de tilintar. No começo, poucas. E foram aumentando. E o céu escureceu.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

alucinadamente

a luz

sina

da  mente
"Você alcançou o seu destino!''

A frase pronta, dita em tom robótico pela voz masculina de todos trilhares de aparelhos GPS estrategicamente espalhados por aí. A gravação a pronuncia, sutilmente eufórica, pau.sa.da,
e eu me pergunto: alcançamos mesmo o nosso destino? Ou somos eternos passageiros?

[''Eternos passageiros''. Engraçado.]
_ Quer dançar?




e eu penso, enquanto você me chama:

mas eu sou tímida

e toda essa gente

e toda essa luz...

me leva pra casa

pra nós dois, enfim, valsearmos

dois pra lá, dois pra cá
dois pra lá, dois pra cá

na cama

domingo, 12 de dezembro de 2010

[no meu dicionário]

rima
1. poesia dançando
2. vocábulos querendo namorar, separados por um muro de outros vocábulos (amor proibido) ou não (nesse caso, vocábulos fazendo amor)

[palavras são livres]
sempre
que eu venho deitar
você vem
devagarzinho
deitar comigo
e aí ficamos os dois
ofegando
no escuro
cobertos por
silêncios
e suores
e sorrisos
e sussurros

pena você sequer imaginar isso

[imagino tanto
que não sobra pra você]
Mexendo nas minhas bagunças, encontrei:

[de algum dia de 2009...]


Riscando a morte em punhal enfrento,
como um assassino acuado luto
de mim não fujo, o que ficar sustento
de morte uma sentença escuto.
Se a vida me trair, vivo!
Se de mim a morte precisar, morro
Sem desespero ou grito de socorro.
Mas se a poesia acabar, será meu fim
Nem a vida, nem a morte
Só a dor irá viver por mim.
eu queria tanto
eu queria tudo
eu queria ser
todo mundo
mas
- ai!
existir é muito grande
não cabe em mim
e dói um pouco






no fundo
virou a cabeça para o lado
(o sol forte)
grama: coceguinhas no nariz
esboçou um sorriso
(seria cômico
se não fosse triste)
respirou fundo
pra inspirar o vento
(o vento quente)
dentro dele chovia
só [ha]via
vneantia