terça-feira, 14 de dezembro de 2010

No meio do lixo tem gente. Lixo e gente. Abandonados. Sujos. Sujando a sujeira de quem suja. Jogados no canto das rua. Despedaçados.  Dentro de sacos pretos, muitíssimo bem amarrados. Mistura ingrata. Ascorosa. Anônima. Sem cara. Sem quem se culpe. Sem ter quem desculpe. Mas quem? Quem precisa de lixo? Quem? Quem precisa de gente? Tem gente no meio do lixo. Tem jeito? Tem, por aí, algum suspeito? Porque, não, a culpa não é minha. Eu não fiz nada! Que horror, me acusar assim. Acho que foi aquele ali. A culpa é dele. A culpa é dela. Daquele ali também. Me desculpe, mas minha que não é. Tem lixo e gente e gente e lixo. E mais lixo. E mais gente. Quanto mais gente, mais lixo. Mais gente no lixo. Mais lixo na gente. Lixo e gente. Tem uma montanha de lixo. Tem dois olhos negros no meio do lixo. Pequenos. Opacos. Só veem o lixo. Dois olhos negros. Fracos.  Não pode falar. A boca coberta por lixo. Não pode sair. O corpo coberto por lixo. Não pode existir. Por dentro, cheio de lixo. Mas os olhos. Desespero. Os olhos berram, no meio do lixo.



Adendo: não pensei na evidente semelhança com Poeminha, do Bandeira, quando escrevi. Infortúnio.

Um comentário:

  1. AAAAh, você voltou pro mundo do blog e não me avisa?
    Que blog lindo, quanta poesia, quanta singularice, quanto jogo com as palavras.
    Adorei! Esse texto em particular.

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